Era sempre a
mesma coisa. No primeiro dia do sétimo mês de cada ano, ainda o Sol não tinha
nascido, já o Aníbal mais o Alfredo aparelhavam os cavalos às carroças para de
seguida descerem o curto espaço que mediava entre o palheiro e a entrada da
casa principal. Os patrões iam de férias mais os dois filhos.
Tinham que
carregar a trouxa e a alimentação
para um mês, numa só carroça. Para além do condutor iam também duas empregadas
domésticas. Tudo bem arrumadinho porque o espaço era pouco e a viagem longa. A
outra, a mais bonita, era puxada pelo Russo
um cavalo empolgante que até parecia sentir-se vaidoso por transportar os seus
donos.
Quando a noite
desaparecia e no longe se via a bola de fogo, que até parecia que o Céu estava
ardendo, já a algum tempo que os seus dois fieis empregados os aguardavam.
Partiam bem cedinho para que o calor não os incomodasse mas também para que a
viagem decorresse durante a fresquidão da manhã.
Eram viagens
longas e atribuladas, algumas tenebrosas, não pelas assombrações de
malfeitores, mas pelo caminho da terra ressequida e pelas tortuosas curvas do
percurso. Um caminho longo e difícil de fazer. Valia-lhes a confiança do animal
que puxava a carroça da frente. O Russo
inspirava confiança. Galopava as ladeiras que lhes aparecia pela frente para
pouco depois nas descidas os condutores terem que puxar as rédeas
Quando o Russo avistava chão plano, não era
preciso dar-lhe rédea solta. Levantava o seu pescoço para ver bem o caminho e
numa sacudidela fazia tilintar os guizos. Era o seu momento empolgante. Os
viajantes sorriam com esta euforia.
Era o momento em que o patrão tinha que
segurar o chapéu, a patroa os filhos, os empregados os bonés e as empregadas
deixavam o seu cabelo desfraldar como uma bandeira em dias de vento.
Dada ordem de
marcha, tudo era composto nos devidos lugares para o ultimo a subir, ser o
condutor da carroça da frente, já que era o empregado mais velho da casa e de
confiança. A próxima e penúltima paragem seria nas proximidades de Alcobaça por
escassos minutos. Não que quisessem mas porque os cavalos tinham ainda que
fazer a viagem de regresso.
Chegados ao
destino, no Picadeiro esperava-os a
senhoria. Uma bela nazarena que gostava de receber com todas as mordomias quem
acabava de chegar. Os empregados descarregavam a trouxa e demais coisas
enquanto uma das empregadas levava as crianças para dentro da casa. A outra
seguia imediatamente para a lota do peixe
para comprar peixe que tinha sido pescado há poucas horas.
Logo tudo
arrumado, seguiam-se as ordens de quem mandava determinar os deveres a quem
servia. Uma das suas primeiras atribuições era preparar o almoço. Sardinha assada, assim mandava a
tradição. Depois, esperar pela chegada dos banheiros que acompanhariam durante
as férias toda a família. Cabia-lhes acompanhar ao mar, como vigiar, quem fosse
tomar banho para depois de terminado os envolver em toalhões e acompanhá-los
até à barraca, sendo dada especial
atenção às crianças.
Todos os dias,
depois do jantar, os esposos iam engalanados passear no Picadeiro e conversar um pouco com outros casais. Era o momento que
as nazarenas mais gostavam porque as senhoras
espalhavam no ar os mais variados odores perfumados e os seus belos vestidos.
A protectora das crianças seguia a alguma
distância de quem lhe dava ordens. A outra ficava em casa esperando pela
chegada de quem tinha saído. No dia seguinte seria o inverso. Os condutores das
carroças regressavam de onde tinham partido para só voltarem no último dia do
mês.
«acMMXX»
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