Quando a noite ficou fria o vento foi-se embora.
Fechamos então a porta do sótão e aconchegados que estávamos nem demos pela passar das horas. Talvez porque as estrelas teimaram em nos fazer companhia.
Era já de madrugada quando descobrimos numa das gavetas do baú um ‘escrito’ datado do século passado, que dizia em itálico “OS MEUS DEFEITOS SÃO PERFEITOS”.
Pandora explicou-me então, que quando criança, descobriu, quase por magia, que os defeitos que encontrava nas coisas que arranjava tinha sempre um lado bom: o da perfeição.
Muitas vezes os adultos que conviviam com Pandora passava despercebido que até os erros são perfeitos e esta trilogia intrigava-os de tal forma que quando estavam juntos com a família adoravam-na interrogar para saberem como uma criança tão humilde e tão pobre de vaidade exterior era na verdade uma menina cheia de inteligência e de uma beleza estonteante.
Pandora sempre foi uma menina estranha como estranha mulher continua a ser.
Vaidosa, bem dentro de si, sabe que por onde passa deixa sempre a sua marca mas de uma forma natural como natural é a sua maneira de ser e de falar.
São estas pequenas coisas que me levam a perder a noção do tempo quando estou com a Pandora no sótão.
Quando se coloca de pé, por estar farta de estar sentada, olha do cimo do seu corpo para mim, que estou sentado no soalho e, diz-me com os seus olhos esverdeados “ eu sou assim porque tudo em mim é natural”.
E é verdade!
Pandora é a mulher que mais admiro, quer pelo seu exterior quer pela sua inteligência mas acima de tudo por causa da sua beleza interior e pela convicção com que diz as coisas.
Mas Pandora não é perfeita porque ninguém o é.
Quando desconfia que algum ‘abutre’ quer cheirar o seu perfume ou aproximar-se do seu corpo com segundas intenções, Pandora torna-se como uma leoa ao defender as suas crias".
Num afiar de unhas arranca de frente com todas as suas forças naturais e expulsa quem tem outras pretensões porque o seu “azedo” é mesmo azedo e até agressivo no uso das palavras.
Junto de Pandora e das suas crias só quem ela permite e em quem confia.
E se não consegue expulsar quem se lhe aproxima complica de tal forma a convivência que os seus defeitos passam a ser perfeitos e as criaturas nunca mais dela se aproximam
A “minha” Pandora como lhe gosto chamar é uma mulher maravilhosa.
Nunca me pede nada em troca por lhe fazer companhia e “aturá-la” até o nascer do Sol como foi esta noite.
Sempre com um sorriso natural e com uns olhos penetrantes, que às vezes assustam-me, despedimo-nos das estrelas para ouvir de Pandora: “AINDA QUERO SER FELIZ. TENHO ESTE DIREITO!”
Chorei porque sei o que Pandora tem sofrido e o mal que lhe fizeram.
Se há grandes mulheres neste mundo és tu PANDORA.
Gosto de ti e da tua companhia “minha Pandora”.
«acMMXXIV»