António Centeio
Homem de seus quarenta e poucos
anos, sempre vestido de preto, expressão triste, faz-se acompanhar de um
bengali. Passa os dias sentado num banco do jardim que confronta com a avenida,
talvez a mais antiga da cidade. Entre o corpo e o braço um enorme calhamaço o
acompanha sempre para que nos tempos livres puxe dos óculos, cujas lentes de
tão grossas serem, faz admirar quem para elas olha.
Torna-se uma figura esquisita
pela escuridão que o acompanha como na forma estranha de se vestir. Meses e
meses com o mesmo tipo de roupa, que em abono da verdade, de suja não tem nada.
Sempre limpa e bem vincada. Usa perfume, cujo aroma indica que não deve ser
qualquer mixórdia.
Todas as noites vagueia pelas
ruas da cidade. O seu andar torna-se esquisito, por causa das enormes passadas
que dá, tornando difícil, a quem tem o privilégio de acompanhá-lo, aguentar a
sua pedalada.
Recita com suavidade a razão da
lógica a quem se lhe oponha na contraposição dos factos. Sabe justificar que: «desde
os primórdios sempre houve e haverá o domínio da minoria sobre a maioria»; que
o mestre «não escreveu mas outros transcreveram aquilo que ouviram»; que o
homem «aceita o vulgo mas critica o conhecedor». Suaviza com parábolas as
«dores daqueles que vivem de lamentos e crêem na fé quando na verdade lhes se
ajusta a educação para socializarem-se na hipocrisia». A prova está: quando
olham para ele, vendo no seu corpo aquilo que este recolhe e esconde, para o
julgarem aquilo que não é mas que querem que seja. A sociedade é uma palhaçada.
Vive de aparências quando deveria viver de realidade. Se Zacarias mandasse,
obrigaria toda as pessoas a estudar filosofia.
As suas críticas tornam-se suaves
para quem as ouve. Deixa a quem o ouve a duvida e o pensamento aberto para se
entreter como num jogo de xadrez se por acaso se refere a fulano ou beltrano. A
ser juiz, seria tolerante, porque antes de condenar ou julgar vai ao cerne da
causa. Só depois de compreender a atitude de quem praticou o acto é que faz o
julgamento, noticiando, então, a quem seu par ou ouvinte está a ser.
Só regressa a casa depois de ter
percorrido as principais artérias da urbe. Nunca se deita antes das três da
matina. Conhece os barulhos vindos dos lugares mais esquisitos como no silêncio
da noite consegue ouvir rumores das conversas íntimas – que quem as diz, se
esquece que no silêncio do escuro até o vibrar de uma corda de violino tem
outro som. Conhece de ginjeira os vadios e os locais onde se trafica como dos
que se escondem por debaixo dos degraus de escadas, dando o seu charrito.
Se algum mais íntimo lhe pergunta
a razão porque anda sempre vestido de preto, se não lhe faleceu, que se saiba,
alguém próximo, responde com frases ditas de uma forma que até parece que está
a ler as palavras que estão escarrapachadas no livro.
«Meu caro e ilustre amigo, à sua
pergunta respondo-lhe citando o meu velho mestre – não diz o porquê do “mestre” ou quem o é – Steinbeck «É extraordinário a forma por
que uma pequena cidade toma conta de si própria e de todas as suas unidades. Se
casa homem e mulher, jovem ou criança, agir e se conduzir segundo um padrão
conhecido e não ultrapassar as barreiras, e não quiser ser diferente dos
outros, não fizer experiências novas e não adoecer e não puser em perigo a
tranquilidade e a paz de espírito ou o fluir incessante e ininterrupto da
cidade, essa unidade pode desaparecer e nunca mais se fala dela. Mas basta um
homem abandonar os conceitos normais ou os padrões conhecidos e seguros, para
os nervos dos cidadãos vibrarem de nervosismo e a comunicação percorrer todas
as fibras nervosas da cidade. Nessa altura, casa unidade está em contacto com o
todo» – Respondi-lhe de vosso agrado?»
Se todos sabem, porque o vêem o
assim vestido e poucos ouvem os seus discursos predilectos gravados na sua
memória como os seus argumentos que raramente encontram oposição válida, porquê
então lhe perguntar a razão do que é público? Quanto muito, Zacarias não é
melhor nem pior do que todos nós, é apenas diferente.
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