«Estes textos são apenas ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.»

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

O mistério da mala de cartão





Por: António Centeio

Todos os meses fazem a viagem habitual até Vila Velha de Ródão. O velho automóvel já está habituado às subidas da serra. Nunca se queixa do esforço que lhe exigem como do peso que leva, talvez por a estrada fazer deslizar as rodas sem qualquer solavanco como nos tempos que saiu do “stand”.
Os ocupantes já não passam sem a beleza estonteante da serra como da paisagem que cativa quem a saiba apreciar. Depois: o cheiro que vem do interior da terra; o sossego da zona que permite contemplar aquilo que «só do alto se pode ver»; o arvoredo que confere a tranquilidade; a zona serrana que permite um profundo envolvimento com o meio, possibilitando desfrutar paisagens abertas, algumas majestosas em contraposição com espaços estreitos para visualizar ao mesmo tempo a união entre o azul do céu, por vezes também a neblina branca.
Disseram-lhes em tempo, que nesta pacata vila se costuma vender «os melhores queijos do país» feitos manualmente por mãos hábeis levando a que os seus produtores não precisem de andar por tudo que seja sítio a vendê-los. A fama do que sabem fazer permite-lhes apenas aguardar a chegada de quem de tão longe vem.
 Argumenta, quem os faz, com uma pouco de razão, que a publicidade dos seus clientes é suficiente para «não chegar para as encomendas». Daqui aconselhar a quem não conheça o negócio que «nunca se aventure a fazer qualquer tipo de viagem sem contactar» quem tão bom queijo faz e vende, caso contrário, poderá chegar à localidade situada na encosta da serra e não trazer os seus queijos.
Foi numa destas viagens que o casal e respectivos acompanhantes ao aproximarem-se da “D’Ródão” viram à distância, estendida na berma da estrada uma velha e comprida mala de viagem, daquelas de cartão. Deduziram que a mesma tivesse caído de algum carro, daí, terem parado e apanhando-a para a levarem para o “porta-bagagens” do velho “Fiat” com o objectivo de ser averiguado quem seria o dono ou….ser visto o seu conteúdo já que algo indicava que vazia não estava.
Foi quando alguém de lembrou «Vamos levá-la. Em casa será aberta e logo se verá o que tem ou de quem é». Assim foi. Feita e armazenada a encomenda do mês, no porta-bagagens que levou o queijeiro a espantar-se com tal relíquia, como a dizer alguns piropos menos impróprios para a situação do achado, voltaram para a cidade de onde tinham partido horas antes.
Mal estacionaram a viatura na garagem, a fim de se descarregar as compras, como o achado, depois de fechado o portão não fosse algum curioso pasmar-se com o que visse ou desse com a «língua nos dentes» a mala foi colocada em cima de uma mesa. «Até parece que achamos um tesouro» disse a dona da casa para se rirem numa forte gargalhada.
No momento em que meteram uma faca para rebentar as fechaduras da mala de cartão, de tão ferrugentas se encontrarem, ouviu-se logo um estalido que indicava a abertura. O incumbido de abrir o tesouro fez render a expectativa; o silêncio fez barulho; olhos vindos da escuridão esperavam pela descoberta obrigando a que o viajante mais novo gritasse «Deixe-se de lérias e abra é essa porra!». Ao mesmo tempo ouviram, vindo do cimo, um forte estrondo – era a inquilina do andar superior a partir no chão um tomate congelado.
Todos mudaram de cor, exclamando em coro «a mala está assombrada». Recompostos do susto a mala foi aberta. Apenas continha: duas velhas e sarnentas fotografias de aviões da “Segunda Grande Guerra”; três ou quatro bocados de papelão, do tamanho de uma caixa de fósforos, que indicavam: ser o escriba um forreta ou um qualquer “manga-de-alpaca” já que neles constava os gastos feitos em “compras para casa no mês de Julho” do longínquo ano de mil novecentos e cinquenta e dois.

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