«Estes textos são apenas ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.»

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Em busca do tesouro




                                                                  
Por: António Centeio


Amélia era uma mulher vistosa até ao dia que num acidente de automóvel ficou com mazelas deixando-lhe deformações físicas. Nunca mais foi a mesma. A sua beleza exterior deixou de ter aquele encanto que tanto se orgulhava. Criou em si própria complexos que quando se via ao espelho ficava nervosa. O médico dizia-lhe para consolo do seu espirito «são complexos». Não estava longe da verdade. Continua sendo a mulher linda e encantadora que conheci. O tempo é como uma borracha, tudo apaga. Hoje, é uma pessoa comum não ligando quando a olham. Sempre foi uma mulher empreendedora.
Mesmo sendo impossível deter o rio da vida e sem um centavo no bolso, mas com uma fé infinita, Amélia, continua a ser aquela mulher que sempre admirei tanto em corpo como em alma. Abriu uma clinica médica onde existem as mais variadas especialidades.
Antes do acidente, costumava dizer que existe uma linguagem universal que está para além das palavras. Se nós aprendermos a decifrá-la conseguiremos compreender o mundo. «Tudo é uma coisa só» dizia.
Sempre disse que nunca se casaria. Entende o casamento como um contrato burocrático com um pouco de hipocrisia à mistura. Mas o seu companheiro é algo que Amélia muito preserva. Como vontade é coisa que não lhe falta, busca algo que deseja e acredita. Agora dedica-se também à filosofia com a companhia dos amigos mais chegados. São noites que perdemos mas que justificam o tempo gasto. Usamos para discussão «O Mundo de Sofia».
Cita com frequência Jostein Gaarder. A melhor maneira de nos iniciarmos na filosofia é colocar perguntas filosóficas. Como se formou o mundo? Haverá uma vontade ou um sentido por detrás daquilo que acontece? Haverá vida depois da morte? Como podemos encontrar resposta para estas perguntas? E, acima de tudo, como deveríamos viver?
«Estas perguntas foram colocadas desde sempre pelos homens. Não conhecemos nenhuma cultura que não tenha perguntado quem são os homens e de onde vem o mundo. As perguntas filosóficas que podemos colocar são muitas mais» para continuar a argumentar que a «história oferece-nos muitas respostas diferentes. Mesmo hoje, cada um deve encontrar as suas respostas para estas perguntas. Não podemos saber se Deus existe ou se há vida depois da morte, consultando a enciclopédia. A enciclopédia não nos diz como devemos viver. Mas ler o que outros homens pensaram pode no entanto ser uma ajuda, se quisermos formar a nossa própria concepção da vida e do mundo». Continuava a citar «A capacidade de nos surpreendermos é a única coisa de que precisamos para nos tornarmos bons filósofos»
Às vezes temos a impressão que há uma misteriosa energia que nos une ao mesmo tema. Alturas existem que até estranhamos os nossos próprios instintos. Até Dudu a mascote de Amélia, que nos faz companhia, dá sinais para estarmos preparados para as supresas da vida.
Um dos nossos amigos costuma filosofar «cada homem deve procurar o seu tesouro para que o encontre. Os sinais farão o resto».
Numa das muitas noites dos nossos serões, Amélia disse-nos «numa altura da nossa vida tudo é claro, tudo é possível, não temos medo de sonhar e desejarmos aquilo que gostaríamos de realizar. Olhem para mim: 1.72 de altura, uma vida de sofrimento, de dor, sem filhos mas vivendo com um homem que me ama e amigos puros como vocês, onde alguns ainda sentem uma paixão por mim, não me devo sentir feliz?»
Sabia que algo lhe ia acontecer no dia que ia buscar o seu diploma a Lisboa. Desconfiou da emoção que sentiu quando recebeu na entrega do papel que lhe daria o resultado do esforço durante quase sete anos, mas não compreendeu o que sentia. Quando próximo de Aveiras viu vir um veículo pesado contra o seu carro é que se lembrou daquilo que não sabia mas que tinha pressentido.


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