O espaço, que faz do adro frontal
da igreja uma zona deslumbrante, é suficiente para ter no seu interior várias
acácias. Alguma, bastantes rugadas pelo passar dos anos e outras ainda com
muitos invernos para suportar, assim a natureza o entenda.
Uma delas, talvez pela perfeição
que a natureza a dotou, diferencia-se das outras. A sua longa ramagem e a sua
abóbada majestosa fazem com que, nos dias quentes, a sua sombra seja procurada
por pessoas que neste local despejam para o Vento, palavras e desabafos
de amargura contra as partidas que a vida oferece.
Debaixo da acácia, existe um
velho banco de madeira já carcomido pelas ventanias invernosas e temperaturas
escaldantes, que algumas vezes, sufocam e negam pequenos rasgos de fresquidão a
quem sentado está no mesmo.
Pena não poder falar este velho
banco, porque se o pudesse fazer, muitas histórias teria para contar, de tantas
desabafos já ter ouvido. Até as suas deterioradas tábuas se derramassem as lágrimas
que por elas já escorreram numa pequena poça de água cristalina se
transformaria. Algumas, de tão salgadas e amargas serem, secariam por completo
as raízes que debaixo da terra se refrescam.
A terra que segura e ampara os
quatro pés do assento também sentiu muitas vezes o cair de sublimes palavras
soltas que roubadas foram pelo Vento a quem para elas olhava.
Algumas, de tão belas serem,
enlaçaram-se por magia nas entranhas da terra para em segredo assustarem os
vermes que delas se aproximavam, porque no seu entender, só as palavras
escondidas sabem arrecadar os segredos para quem lê mas não sabe o que está a
ler.
Acácias, árvores sombrias e
imponentes, que nas noites chuvosas deixam cair pingos grossos, que de tão
grossos serem, magoam quem por debaixo delas esteja. Mas, sabem oferecer o
conforto a quem delas as ouvir falar e compreender que a sua
seiva, da terra vem.
Talvez deste saber, Estevão,
de seu apelido, pobre de espirito mas rico de saber, as suas tardes fossem
todas passadas no adro da igreja. Para ele, este espaço tinha algo de místico.
O verde envolvente, o branco das paredes, o
divino que rodeava toda a área, o simbolismo da cruz e de quem em tempos nela
foi pregado como o voar dos passarinhos, deliciavam-no. Só às vezes, quando o
barulho do silêncio o apoquentava, para de seguida ouvir o bater das avé-marias,
é que se sentia incomodado.
Depressa retomava aos olhares
perdidos no horizonte para meditar nos tempos que a vida lhe tinha sorrido,
dando-lhe aquilo que ele nunca soube compreender, levando-o ao mesmo tempo, a
perguntar a si próprio, se “tinha merecido o que nunca pediu”.
Ele, que tanto gostava de olhar
para as estrelas nas noites de solidão, ficou uma presa dessa mesma
solidão. De tudo o que tinha, de tudo o que arranjou, de tudo que construiu e
de tudo que amealhou, levado foi pelas estrelas.
Apenas lhe resta uma coisa:
sentar-se no banco, que por baixo da acácia existe, para passar o tempo
na claridade do dia a “lembrar-se daquilo que foi para pensar naquilo que
é”.
De olhar contínuo e erguido para
o vazio, apenas anseia que a escuridão chegue, porque nas trevas, pode
encontrar nas ruas sinuosas da cidade restos de alimentação que mais não são do
que “as sobras que os outros deitam fora”. Depois de encontrar
este conforto interior, tenta procurar abrigo para dormir numa
barraca situada na planície que faz frente com o terreno onde estão colocados
quatro muros compridos, altos e largos, pintados de branco, tendo no seu
interior alguns cedros, onde a terra é pesada e fria, onde Estevão,
gostaria de estar à muito para não sentir o passar das estações.
O seu maior desejo, nas dezenas de
anos que já têm e nas centenas de luas que já viu, è: “encontrar uma
estrela” para o “levar como levou as suas coisas”.
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