Por: António Centeio
Januário homem que já carrega quase oito
dezenas de anos continua a querer mostrar que não se verga ao tempo e às
coisas. O que lhe interessa é o seu espírito jovem e a pujança que sente dentro
de si como das “forças vindas de um sítio qualquer” que não lhe impedem de
todos os dias fazer a “amanha da sua
terra”.
Todos os dias,
quando se levanta e o Sol ainda está do “lado de lá de Espanha” depois dos
preparos matinais senta-se na sua velha mesa para comer a sua “côdea
acompanhada de um bocado de chouriço” para de seguida partir na desengonçada
carroça puxada pelo “Jericó” o nome
do burro, cuja idade do dito desconhece, porquanto já o comprou como “um burro
velho” a um cigano numa Feira de Gado que se costuma realizar ali para os lados
de Vale de Santarém.
Paragem
obrigatória se torna a visita matinal na “Tasca
do Fausto” a fim de tomar o seu caneco de café e respectivo bagaço em
duplicado que lhe retemperam as forças para o dia que ainda não viu nascer a
bola de fogo, mas que dele muito vai exigir.
Quando chega à
sua herdade, a que chama de “Terra Seca” começa
a tratar da “amanha” e de tudo que
esta lhe pede para que “amanhã nada lhe falte como aos intermediários que o
visitam para negociar o que a terra vem dando, julgando alguns que enganam o
amigo Januário pela sua avançada
idade” quando na verdade o conhecimento que foi adquirindo ao longo das luas,
lhe deram sabedoria para numa cantilena cheia de manhas conseguir dar a volta a
quem com intenção quer-lhe passar a perna. Assim e desta forma, tem conseguido
levar a sua a avante “sem enganar o parceiro, como: deixar-se enganar”.
Apenas, e
confessa, que o seu único fraco, mesmo com a idade que já leva, são as
mulheres. Estas ainda continuam a apoquentar-lhe a cabeça e quando vê alguma
saia, então a sua cabeça fervilha de coisas que já não estão a seu alcance.
Homem de uma
enorme robustez física com um olhar profundo que “até queima por dentro quem
para eles olha” tal é a nitidez do azul. Quanto a médicos apenas afirmava “não
querer nada com eles” e no que tocava a doenças “nunca as teve”. Mas se as
tivesse tido simplesmente encontraria a cura na “apanha das erva” que a sua avó
lhe ensinou “servirem para curar todos os males, até os da língua”.
Nunca recusou ajudar quem quer que fosse como
contribui com o que esteja ao seu alcance, desde que possa extrair no que
plantou ou a “Terra Seca” por razões
desconhecidas lhe coloque na frente dos olhos aquilo que outrém possa usufruir.
Tudo isto até ao
dia em que a sua calvície não resistindo ao calor da tarde cedeu aos
infortúnios daquilo que a idade não perdoa. Deu-lhe um fanico qualquer que
tombou de imediato para o cimo do canteiro de salsa que andava a regar.
Valeu-lhe a visita inesperada de uma sua protegida, que de tempos a tempos o
visitava para o consolar de algo que gostava mas não tinha e ao mesmo tempo lhe
transmitir as últimas novidades do burgo já que o amigo Januário não era homens de mexericos ou de andar “sem nada fazer
por locais onde se diz mal de todos e se gasta dinheiro sem necessidade”.
Quando não havia
bisbilhotices a idosa inventava-as. Apenas não dizia mal de si própria, porque
lhe ficava mal ou o ouvinte não acreditava no que acabava de saber. Mulher
astuta que sabia “tirar os ovos debaixo da galinha sem ela dar por isso” pouco
se lhe importando se: tivesse ou não de deitar-se debaixo de qualquer um, desde
que, pudesse “levar para sua casa aquilo que não tinha”.
Aos gritos veio
à aldeia pedir socorro que num ápice, alguém depois de ouvir o sucedido, pediu
ajuda aos bombeiros. Em pouco minutos Januário
estava no hospital. Neste, se manteve uma dúzia de dias sempre assistido por
uma linda e simpática enfermeira.
Dada autorização
para sair, pelo seu próprio meio, por via de estar curado, criou-se-lhe o
problema de “como agradecer a gentileza a quem o tão bem tratou a cuidou”.
Homem desconhecedor das modernices que fazem parte do mundo em que vive como de
outras novidade e ignorante que continua a ser, daquilo a que alguns chamam de
“boas-maneiras” já que os seus nunca
lhe ensinaram “que tal coisa quer dizer”. Também não sabia que uma simples
pequena lembrança resolveria o enguiço. Para agravar as regras já que no amanho
da terra nem sempre se aprende aquilo que se deveria aprender na escola, na sua
voz grosseirona, mas sincera, vai daí, perguntou a quem tanto o importunava com
cuidados e outros mimos ”que quer como gratificação pelo que me fez?”
Da mesma, teve
como resposta: “Nada! Apenas fiz a minha obrigação como faço para com todos os
doentes”. De seguida, recebeu como sinal de carinho e respeito um beijo na
cara, coisa que não estava nos pensamentos do madrugador.
Não ficando
satisfeito com a recusa mas sentindo-se na obrigação de recompensar, agora mais
do que nunca porque a especialista até lhe “deu um miminho na cara” foi para
casa matutando na forma de contornar a coisa. Não encontrou solução ao problema
nem soube descobrir outras formas. Homem habituado aos imprevistos e às
partidas do tempo, ouviu, vindo das “profundezas da terra” a solução.
Poucos dias
depois, apresentou-se no Hospital pedindo a presença da dita especialista.
Depois de informada de quem a chamava do exterior, compareceu ao apelo.
Perguntando-lhe o que desejava, obteve como resposta “ minha linda e bondosa
enfermeira vá ali à rua e veja com os seus próprios olhos o que lhe trago como
agradecimento pelo que me fez e como me tratou”. Em cima de “Jericó” estava um enorme carregamento de
couves.
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