António Centeio
Na pequena localidade
situada entre a serra e o rio, onde nasceu Anastácio, predomina a paisagem
viçosa, serena e repousante com uma luxuriante vegetação que comporta uma flora
diversificada. Local privilegiado que deixa desfrutar na imensidão do horizonte
uma beleza estonteante.
O seu Solar –
conhecido por “Solar do Gião”
situa-se na localidade de “Carril”
terra centrada no coração do Ribatejo em plena região vinícola. Tem mais ou
menos sete hectares que aglomera: casa de habitação, jardins, quintais, pátios
e uma pequena área rural onde existe uma mina de água, uma fonte, um tanque de
rega e constituída por outra de prados e por uma mata de sobreiros, alguns de
grande porte. Existem ainda magnólias.
Em volta do
edifício habitacional, propriamente dito, longos canteiros de hortenses que embelezam
a habitação, fazendo com que nas manhãs quentes, quando se abre a janela, se inale
o aroma que das roxas flores vêm. Bem de frente do quarto de Anastácio um enorme
e velho Carvalho.
Plantado que foi
pelos antepassados, os seus ramos alongam-se como mão de gigante. Nas noites
invernosas em que o Vento teima mostrar que é a força do mundo assusta tudo e
todos. Nos dias em que o Sol volta ao baixio, os raios rompem os espaços vazios
das folhas. De longe, pequenas fitas imaginárias de neve atravessam os caminhos
livres até se reflectirem no interior do quarto de Anastácio.
São estes
momentos em que a alegria penetra na alma de quem dentro dele vive ou: quando
criança levava-o a pensar que um dia quando fosse crescido seria como os homens
que conhecia ou ouvia falar. O destino barrou-lhe o caminho, ou os sonhos.
Numa tarde de
Verão partiu na sua moto em direcção ao Sudoeste alentejano para assistir ao
seu primeiro “Concerto de música”.
Até os raios da motoreta brilhavam como as silhuetas mágicas do Sol quando
perfurava o velho carvalho. Sentado, apreciava a beleza da planície alentejana.
No silêncio da
própria calma, tudo parecia uma miragem. De vez em quando lá via algumas vacas
alternando com cavalos e cabritos. Deslumbramentos que faziam com que nada lhe ficasse
indiferente.
Anastácio sempre
se deixou seduzir pelos efeitos das paisagens. Nunca se esqueceu do dia em que
o pai o levou a um dos «largos mais bonitos do mundo» segundo ele. Na Praça do Geraldo, perto do pôr-do-sol,
viu os raios de luz poisarem fugazmente no chão.
A viagem
decorreu com alguma normalidade e paragens. De tempos a tempos anotava
mentalmente os quilómetros que faltavam. Já era madrugada quando viu um vulto
no meio da estrada, cambaleando ora para um lado ora para o outro. Um vulto
maldito que fez com que tivesse um grave acidente. Não se sabe se era uma
pessoa se uma coisa de “outro mundo”.
Resta a
Anastácio passar o resto da sua vida sentado numa cadeira de rodas – tal foi o
acidente – olhando para o velho carvalho que o amedrontava quando criança, como
toda a família pelo barulho que fazia quando o Vento o tentava derrubar. Agora
os galhos do arbusto de tanto assustar, fazem com que as noites pareçam
fantasmas, que não existem, mas que passaram a haver. Apenas os raios solares
se atrevem a deslumbrar quem na sua meninice passou momentos únicos e
inesquecíveis.
A velha árvore
para mais amargurar quem não a viu nascer e muito menos ser plantada, teima em
mandar para o cimo da terra as suas fortes raízes, rachando a terra que já nem
peso têm.
Resta-lhe a
memória, quando da infância, a parte do tronco madeireiro transformar-se em
arco para formar a entrada do jardim numa cerca, ou a lembrança de: um mar
salgado e alegre que se agitava contra os barcos, a que os nazarenos chamavam
de “galeões” quando voltavam para
terra carregados, cheios de peixe.
No futuro, os
velhos ramos deixarão de se vergar sobre o peso das gotas da chuva, quando
Anastácio meditava na grandeza da natureza.
A vida já lhe
vai longe, ou tão perto, que vê permanentemente a linha que finaliza toda a
corrida que fez – outra continuará ou terminará. Enquanto não chega ao fim, de
tudo o que fez e teve, a vida continua a sorrir-lhe, talvez de uma forma
ingrata e inesperada.
Aprendeu com as
vicissitudes do infortúnio: - se necessário, há que olhar para as feridas
aparentemente curadas e voltar a abri-las quando a dor já nem força tem para
fazer doer.
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