Por: António Centeio
A vida
prega-nos partidas. A nossa mente faz-nos lembrar coisas passadas e decorridas
ao longo do nosso percurso da vida.
Quando era
menino aprendi que apenas queria como amigo o amor. Assim fui e vou vivendo
mesmo sabendo que tudo não passa de uma ilusão. Previ sempre as necessidades
antes de se manifestarem. Nasci assim que hei-de fazer?
Olho para as
pessoas e sei logo quem são e o que querem. Certas vezes até pensam que vivi
com elas numa qualquer vida passada. Começamos a falar e rapidamente concluo
que a nossa linguagem é igual para pouco tempo depois saber que somos do mesmo
mundo porque as nossas palavras e pensamentos são comuns. Tenho a capacidade de
ficar logo amigo de quem ainda mal me conhece. Mas as partidas da vida são uma
armadilha. Cria-se entre nós um elo que jamais nos separará.
Foi num casual encontro que nos conhecemos. Olhamos um para o outro e os
nossos olhos falaram por nós. Quando lhe falei pela primeira vez disse-me que
se chamava Mariana para logo de
seguida acrescentar que a «origem do nome» provinha de «uma
palavra hebraica» com junção de duas palavras. Acreditei nela. Curioso
como sou, fui descobrir que correspondia à verdade. Não bem como se prenuncia e
escreve mas parecido porque o hebraico
é algo difícil de interpretar. Adiantou-me também que o nome era «uma homenagem à sua avó, nascida a criada no
meio do Atlântico». Uma avó que lhe deixou «lembranças de uma boa companheira e amiga de infância».
Mariana fala pelos
cotovelos. Ainda hoje julga que todas as pessoas conspiram contra ela. Quando
casada, todos eram seus amigos mas com dois casamentos falhados no seu curriculum
os casais não querem a sua companhia. Dizem – as mulheres – que «é
meio caminho para roubar a pessoa amada».
A sua formação superior fez com que bem cedo soubesse
dar valor o que é criar um filho e
dar-lhe um curso sem a presença do pai ou do seu substituto. Poeta que é, sabe
dar valor às palavras e o que delas se pode obter. Sente nestas a subtileza mas
que nem todas as pessoas compreendem.
Quis o destino separar-nos por alguns anos. Quando nos
reencontramos foi como o nascer de um filho. Fizemos logo uma promessa junto da
estátua do “Navegador”. Entre nós
dois «nada
poderá haver fisicamente, mas apenas confidências, segredos, amizade e uma
grande cumplicidade. Nada mais do que isto» para depois logo acrescentarmos
«nunca
se deve ceder às nossas fraquezas ou outros desejos».
Mariana é uma
mulher linda e sensual. A sua vincada personalidade seduz qualquer mortal. A sua
maneira de olhar para quem olha para os seus olhos verdes é a sua arma de
serpentear os pensamentos incertos na mente dos homens. Seus cabelos compridos
e sedosos são a sua maior riqueza.
O Céu estava carregado de nuvens escuras. O horizonte
fazia com que as nossas almas ficassem melancólicas. Sentíamos uma força
interior que remexia nos nossos corpos. Falamos do nosso passado e da filha que
teve, fruto de alguém que fez parte da sua vida mas que não foi nem é a sua
vida. «O melhor que fazemos é não voltar a cruzar os olhos com o dos nossos
amores perdidos. Especialmente com aqueles que nunca o foram e não passaram de
um belo sonho que um dia acalentámos no fundo do nosso ser». As
lágrimas correram-lhe pela face. «Se hoje fosse viva seria uma linda mulher!».
Senti nas suas palavras a dor que sente quando se lembra da sua “filhota”. Sei a mágoa que tem nas suas
profundezas pela perda. Era o elo que a ligava à vida.
Depois do testemunho prestado junto do símbolo a nossa
conversa parecia interminável para ao mesmo tempo sentirmos uma atracção sem
explicação. De tal maneira que passadas algumas horas, sem qualquer explicação,
os nossos corpos envolveram-se na transparência da areia enrolando-se um no
noutro para acabarmos a descer até à água do Oceano encobertos pela força do
amor com o testemunho do nascer do Sol.
Quando o Sol nasce e estamos junto do mar tudo é
infinito. Só nesta altura compreendemos os mistérios da grandeza que a natureza
nos esconde. São estes encontros sublimes na junção de dois corpos que fazem
com que a vida tenha outro significado.
Claro que aquilo que prometemos um ao outro acabou por
ser impossível, mas o contrário faz com que a vida não faça sentido. O mundo é
composto de fragmentos místicos devendo nós apanhá-los para que possamos compreender
o seu significado. «Houve em tempos um fazedor de marionetas. A sua casa era um museu de
obras-primas. Todas feitas com paixão e amor. Os anos passaram e a sua casa
estava cheia destes pequenos bonecos.
Só, certo dia adoeceu. Não tinha ninguém que o
ajudasse. Quando a escuridão entrou nas suas paredes cheias de recordações
foram as marionetas que o encaminharam para a longa viagem porque só ele lhes
soube dar o tal amor e vida. Só ele compreendia e sabia que as árvores também têm
vida. Eram a Alma do mundo» dizia-me
muitas vezes Mariana para que pudesse
compreender a razão das coisas e os seus sentidos. «O mundo é composto de fragmentos místicos devendo nós apanharmos estes
para que possamos compreender os seus significados».
No bater das ondas e na espuma vinda das suas
profundezas falávamos muito sobre o mistério da vida e da ingratidão das
pessoas. Mariana com a formação que
tinha e um quoficiente de inteligência acima da média sentia-se ressentida com
certas atitudes do ser humano. Fazia com que eu compreendesse o âmago das
raízes para melhor puder compreender a razão das coisas. Só eu a sabia
compreender. Estava-me grata por isso.
Um dia viria a saber que a gratidão também tem o seu
preço. Os seus problemas passaram a fazer parte da minha vida recebendo em
troca os meus. A amizade aprofundou-se ao ponto de já não haver segredos entre
ambos.
Nas longas caminhadas que fazíamos pela grande avenida
deleitando o cheiro do mar ou nos dias quentes em que à noite passeávamos pelo
grande jardim frontal ao “Centro Cultural”
com a companhia de “Alex” o poder do
mar e o brilho da bola do Céu aconchegava o nosso interior.
Outras vezes escondíamo-nos do mundo juntinhos ao mar.
Logo que as estrela apareciam ficávamos ouvindo o rebentar das ondas para ver
ao mesmo tempo o mar roubar a areia que horas antes tinha sido calcorreada por
estranhos. Enrolada a mim dizia-me junto do ouvido: «quando uma coisa nos magoa em
pequeninos ficamos muito sensíveis às atitudes e críticas dos outros. Sofro
muito! Não me desampares porque só tu me sabes compreender». Sentia a
sua fragilidade. Era como fosse um bibelô. Encolhia-se nos meus braços para que
protegesse.
Quantas noites não adormecemos na praia para
acordarmos quando o Sol começava a radiar tudo ao nosso redor com o cantar das
gaivotas que voavam para onde estava o seu alimento. Erguíamos os nossos corpos
para de seguida só pararmos numa padaria junto do mercado onde a frescura do
pão satisfazia a nossa saciedade.
Hoje temos medo que tudo acabe de repente porque o
relógio pode parar. Sentimos mais do que nunca que caminhamos juntos para a
meta final. Temos a certeza que os nossos corpos jamais terão a força de nossa
juventude levando com que saibamos aproveitar todos os momentos que a vida nos
oferece para quando os nossos corpos se separarem, as nossas almas se possam
enlaçar como as rosas que lhe ofereço quando sei estar triste e as saudades do
passado a atormentam.
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