Por: António Centeio
Fabiana foi
sempre uma mulher determinada. Nunca deixou de acreditar que não morreria
enquanto os seus sonhos vivessem como sempre soube que um dia quando tivesse
próxima de ser mãe estaria preparada na hora do parto para receber o maior
privilégio que a vida dá às mulheres, mesmo que nesse sublime momento a vida e
a morte estejam sempre juntas
Nunca teve medo
de enfrentar os desafios que a vida coloca na frente das pessoas, sejam ou não
uma prova e um desafio ao ser humano para mostrar se é ou não capaz de
contornar os obstáculos.
Fabiana nunca teve medo de nada.
Sempre teve uma coragem que até ela própria se admirava. Não tivesse sido
criada nos confins do mundo e no cume de uma serra onde o frio seco entra nas
entranhas que até quase gela o coração. Às vezes o Vento assustava-a para que
não dormisse demais e estivesse sempre desperta.
A dor e a
amargura fizeram-lhe sempre companhia, levando-a com que muitas vezes, debaixo
do banco em que se sentava as suas lágrimas corressem numa direcção que nem ela
própria sabia onde terminava.
De tanto ir à
cidade onde a aragem era sempre seca e fria, ficou a saber que entre Norte e
Sul havia em determinada altura das estações que a terra una que fazia parte do
seu mundo estava cheia de contrastes. Prometeu a si mesma, logo que possível, mais
dia, menos dia desceria até encontrar um sítio onde pudesse completar os ciclos
da vida.
Parou nas
proximidades do Tejo já que as recomendações indicavam ser aqui o seu porto
seguro como; onde estava alguém que a ampararia enquanto não conhecesse a terra
que iria pisar tantas vezes no futuro.
Mal entrou na localidade,
viu lá no alto o castelo. Seria a primeira coisa que queria conhecer quando
visitasse a cidade. Assim foi.
Quando o visitou
– talvez um sinal do destino – encontrou aquele que viria a ser a sua alma
gémea, não sabendo ambos no momento de encontro que iriam trabalhar no mesmo
local como iriam ser colegas de profissão – ironias do desconhecido.
Da grande
amizade nasceu um grande amor que durante alguns anos fez com que se
conhecessem profundamente para depois de realizado o acto solene desejassem o
maior sonho de Fabiana: ser MÃE.
Começou aqui, um
dos ciclos mais difíceis da sua vida. Por mais tentativas que fizesse não
conseguia ser mãe como nunca conseguiu descobrir as causas de tal infortúnio. «Esterilidade»
alguém lhe disse. Desistiu, como também seu marido, que um dia lhe prometeu
meia dúzia de filhos para todos juntos à mesa galhofarem e serem todo um só. A
família estava acima de tudo.
No interior de sua casa, algures num dos
muitos caminhos que levam outro caminho às “Lapas”
tudo era dor e amargura. Nas noites frias mas húmidas, sentados os dois, depois
de um dia de labuta o silêncio imperava. Até as suas gargantas se tornavam
secas de tão pouco falarem para apenas ouvirem o uivar do Vento forte das
noites geladas.
Levavam horas e
horas os dois sentados em dois singelos bancos de madeira mexendo com uma tenaz
as brasas da sua lareira para depois iluminar a chaminé. Apenas falavam em
pensamento ouvindo os estalidos da madeira que faiscava ao despregar-se as
lascas ou abraçavam-se em silêncio para quando os corações chorassem as
lágrimas caíssem nos seus ombros.
Tantas e tantas
vezes que o gélido tempo não os deixava sair junto das chamas para que as suas
refeições fossem apenas pobres fatias de pão banhadas com um fininho fio de
azeite que uma pobre alma sua vizinha, mais apoquentada pela dor que a
necessidade dos dois lhes oferecia quando ia ao lagar de azeite.
Não que vivessem
miseravelmente mas aquela dor de não poder amar algo vindo das suas entranhas
sufocava-a interiormente. A comida enrolava-se e fazia um nó na garganta. Só o
azeite fazia escorregar o pão amargo de tão dorido ser como a dor que tinha
dentro dela.
Quantas vezes
não sentiam a cair nos seus dobrados joelhos, lágrimas dolorosa por estarem a
pensar a mesma coisa sem dizerem um ao outro aquilo em que pensavam? Quantas
vezes não olhavam para a longa e alta parede da chaminé pintada de branco com
uma barra amarela para verem o berço que
lá estava pendurado esperando que alguém no seu interior se deitasse?
Nas noites de
luar, às vezes vinham, sem saber como, abeirarem-se da pequenina janela voltada
para o pátio olhando para a laranjeira que lá. Até parecia que tinha sido
plantada de propósito há muitos anos com troncos fortes e arqueados esperando
por duas grossas e seguras cordas para servir de baloiço a alguém levezinho
como uma arvela. Por baixo da mesma um pequeno rebaixamento redondo fazia a
terra escura com uma maciez que a tornava balofa. Se alguém caísse em cima dela
não se magoaria mas talvez se sujasse.
Os dois só davam
sinal de vida quando umas agoirentas corujas vindas das catacumbas das “Lapas” sobrevoavam o telhado a caminho
do cemitério e num cantar medonho e arrepiante os fazia encolher quando ecoavam
sons aziagos. A noite ficava adormecida nas profundezas do silêncio porque tal
ave diziam os mais antigos, simbolizava o mal, a desgraça ou o caminho que
ligava à morte.
Bendita a manhã
de uma terça-feira em que foi ao mercado semanal. Na sua frente caminhava uma
pobre mãe que mais parecia uma galinha com a sua ninhada de pintainhos. Toda
desfraldada com uns cabelos que não sentiam, sete pequeninos filhos descalços
magros e escanzelados seguiam o seu encalçe para ouvirem continuamente da sua
protectora pragas amaldiçoadas mais parecendo que lhe tinham pedido para vir a
este mundo.
«Enquanto eu
tanto desejo uma criança esta pobre mãe tem-nos demais. Não há justiça neste
mundo» pensava Fabiana para logo ouvir de seguida da fria mãe: «não haverá
neste mundo ninguém que queira tomar conta de vocês?»
Para quem sempre
acreditou que nunca morreria enquanto os seus sonhos vivessem um sonho dos seus
sonhos realizou-se. Foi tudo apenas uma questão de tempo para a adopção.
Hoje, uma das
crianças é a razão da felicidade do casal que em tempos até pensava que a
humidade que corria pela parede da chaminé por causa do calor do lume eram
lágrimas de alguém que lá em cima chorava por ver tanta tristeza.
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